março 11, 2015

Visitei ontem as novas instalações da livraria Pó dos Livros
que mudou da Av. Marquês de Tomar para a de Duque d'Ávila.

É uma verdadeira livraria, inconfundível com essas tais lojas
de produtos tipográficos que aparentam ser livros e
não passam de lixo a reciclar, mês a mês.

Orgulhosamente, como livreiros, não desprezam
mostrar livros de edições de há muitos anos,
e creio que até, livros usados.

Enfim, objectos de leitura,
de espírito vivo.


Comprei um livro escrito há mais de dois mil anos
e que sempre desejei possuir e ler de fio a pavio

o Da Natureza das Coisas, de Lucrécio
o grande poema latino do materialismo atomista!
Pela sua beleza imponente, transcrevo os versículos 49-79.




Ei-los,

«Ora agora presta ouvidos disponíveis e um espírito sagaz,
desprovido de preocupações, à doutrina verdadeira,
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para não desperdiçares desdenhosamente
a minha dádiva para ti preparada com amorosa dedicação.

Vou, de facto, começar a expor-te a derradeira explicação
do céu e dos deuses e revelarei os elementos primordiais da matéria
a partir dos quais a natureza forma todas as coisas, as faz crescer e as sus-
                                                                                                       tenta
e em que a natureza as dissolve quando as mesmas são destruídas,
a que nós costumamos chamar matéria e corpos geradores,
ao explicar a doutrina, e sementes das coisas, e também lhes damos
o nome de corpos primordiais, porque é a partir deles que tudo existe.

Como a vida humana jazesse vilmente prostrada
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diante dos olhos de todos, esmagada sob o peso da religião,
que assomava a cabeça das regiões do céu,
ameaçando os mortais com um aspecto horrível,
este homem grego foi quem em primeiro lugar ousou erguer
contra ela os olhos mortais e quem primeiro ousou fazer-lhe frente.

E a este não o demoveram nem o que se dizia dos deuses nem os raios
nem o céu com o seu bramido ameaçador, mas antes mais estimularam
a enérgica coragem do seu espírito, a ponto de desejar ser o primeiro
a despedaçar os ferrolhos firmemente fechados das portas da natureza,
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e assim a vívida força do seu espírito obteve um triunfo completo
e ultrapassou em muitos as muralhas flamejantes do nosso mundo,
percorreu com a sua inteligência e ardor o universo imenso,
de onde nos traz, vitorioso, o conhecimento do que pode
e não pode nascer, e por fim por que leis está limitado o poder
de cada coisa e os seus marcos fundamente fixados.

Por isso a religião é agora, por sua vez, pisada sob os pés
dos homens  e a vitória eleva-nos aos céus.»


:)

2 comentários:

analima disse...

A livraria deve ter mudado há pouco tempo. No princípio do ano estive na Marquês de Tomar. Comprei um livro usado muito interessante, uma espécie de apologia do Estado Novo.
Este poema, para ter sido escrito há mais de dois mil anos é, de facto, muito actual...

vbm disse...

Sim, Ana

Mudou há dias. Já na Marquês de Tomar era gira. Agora, continua impecável, com mais espaço e muito bem. Eu só conheci esta livraria há pouco tempo. E comprei, também, um livro editado há muitos anos, escrito pelo meu professor de Filosofia do Colégio Almeida Garrett, do Porto. :) Um pequeno livro de epistemologia e metafísica contemporânea, após a revolução científica de Einstein e da física das partículas! Ele era um grande professor e absolutamente despretensioso. O Lucrécio, um atomista da escola de Demócrito, estou a lê-lo. É uma maravilha o modo explícito e conciso com que expõe as coisas!